De como eu me tornei o dono da A.C.M.E.

É difícil escrever isso aqui hoje em dia. As coisas mudaram demais. Eu mesmo mudei demais. Essas coisas que a gente achava que eram brincadeiras, porque queríamos tirar um sarro das outras pessoas, mesmo que isso resultasse em humilhação. Ainda não havia chegado a hora de ouvir as pessoas que sofriam com isso e de se colocar no lugar delas.

Então isso aqui é uma confissão de uma criança terrível, numa época muito diferente dessa de agora.

Uma das minhas brincadeiras de infância pouco mencionadas era a “pegadinha”. Na verdade, o nome que a gente dava na época era “pega-trouxa” (antes de Harry Potter, o trouxa era o sujeito que caia nas nossas bobagens).

Isso normalmente era o tipo de coisa que eu arquitetava com o Ricardo e o Fábio, e podia ser qualquer tipo de coisa. Desde colocar merda de cachorro numa caixa de fósforos que seria ofertada para alguém, até pendurar as fotos promocionais do Menudo na viga da Loja Fotográfica dos meus pais, com um quadro de aviso, dizendo –  “Vejam as fotos inéditas no Menudo” – enquanto nós ficávamos escondidos na laje da loja, munidos de vasilhames de desodorante cheios de água, que seriam esguichados na cara dos interessados.

Fazíamos um envelope com um mecanismo de corda, feito com arame,  elásticos e uma argola de chaveiro, que quando a pessoa pegava o envelope da nossa mão, ele estralava parecendo um peido. A gente mijava nas garrafas de cerveja e depois tentava vendê-las para os bêbados dos bares vizinhos. Passávamos as férias fazendo as caricaturas da vizinhança nas ruas, usando tijolos ou pedaços de gesso que a gente desenterrava de um terreno baldio na rua. Criávamos maravilhosas campanhas de marketing para as indústrias de bebida Noku, usando nossos vizinhos como exemplo: “Neusa também toma Noku”.

Nós cuspíamos nas pessoas (a gente adorava o Bob Cuspe). Também nos sentávamos do lado de alguém só para soltar um peido. Ou colávamos uma moeda no chão, para ver as pessoas tentando pegá-la. Enchíamos uma bola murcha com pedra, porque tínhamos um vizinho que sempre atrapalhava nossa pelada, fazendo embaixadinhas infinitas e nosso sonho era que ele chutasse essa nossa bola preparada (só quem caia nesse truque era o Polaco, um bêbado da vizinhança, que dizia que era o Hulk e recebia de nós o desafio magistral de remover o pé de urtiga pela raiz, coisa que ele fazia para a nossa diversão).

Quando eu viajava para a Paraíba, fazia buracos no chão e preparava armadilhas para as minhas irmãs. Eu também me escondia no banheiro do andar de cima da minha casa, com um lenço embebido em éter que algum parente esqueceu no nosso banheiro. E então, chamava minha vítima e colocava o lenço no rosto dela, para que desmaiasse como nos filmes.

Também colocava fios em curto nas tomadas, ou ligava o rádio FM nos fios do telefone, para ver o que acontecia. E misturava as tintas velhas do meu pai, com todas as colas e coisas químicas que estavam na prateleira, esperando realizar a maior invenção de todos os tempos.

Meu sonho de infância era ser um cientista maluco, daqueles de desenho animado.

Era o terror da catequese, a mente por trás dos crimes. A professora de ciências diagnosticou: “Djair é muito inteligente, mas só usa a inteligência dele para fazer o mal. Quando ele não está fazendo os outros rirem, ele ri das bobagens dos outros, incentivando a bagunça. Ele tira notas boas, mas fica o tempo todo fazendo gracinhas e atrapalhando as aulas”. Coisa que aterrorizou meu pai e produziu nele o seguinte conselho: “Você pensa que vai ganhar a vida fazendo os outros darem risada? Só quem faz isso é Chico Anysio, Renato Aragão e Jô Soares”.

Claro que soou o sino. E dai eu fui fazer teatro e comédia por causa desse conselho…

Daí agora passam esses anos todos, fazendo todo tipo de coisa, inclusive, sendo um pai firme, mesmo sem ter nenhum dos meus filhos igual a mim, nesse sentido de ser um capiroto (bom, talvez o Gabri… mas nem ele).

E me aparece agora esse negócio de fazer props para Escape Room. E outro dia eu me dei conta de que, depois desses anos todos, eu estou voltando para esse negócio das armadilhas e das pegadinhas.

Dessas coisas que parecem funcionar de um jeito, mas servem pra outra coisa.

Como as máquinas da A.C.M.E. nos desenhos do Papa Léguas.

E devo dizer que estou realizando um sonho de infância.